quinta-feira, 20 de maio de 2010

A emergência da bioética: simbiose ou morte !

Prof. Dr. Marcelo Pelizzoli

Estar ciente das grandes mudanças histórico-culturais de nosso tempo é tarefa urgente da sociedade organizada. A mais importante tarefa social da ciência e das humanidades hoje são os desafios da Ética, o sentido de nossas ações, as novas possibilidades diante dos rumos ditos inevitáveis da sociedade de consumo no capitalismo. É devido às suas intervenções econômicas catastróficas e imprevisíveis enfrentadas hoje que a tradicional Moral dá lugar aos poucos à “bioética”, em vista dos dilemas socioambientais dantes impensáveis, como o efeito estufa (aquecimento global) e a crise da saúde das populações. Por que defender os seres não-humanos ? Por que deixar de intervir na essência humana, psicológica e biológica, genética, para transformá-la ? Por que não levar a manipulação atômica a todas as suas possibilidades ? Por que não desenvolver a indústria com todos os meios do progresso material ilimitado ? Não somos nós deuses na terra a ser dominada ? Por acaso a medicina tecnológica não irá curar todas as doenças ? São perguntas, hoje, obsoletas e ingênuas, além de perigosas, pois reveladoras de um tempo de crença positivista ou cega no progresso. Contudo, continuam a ecoar em discursos políticos e oficiais, pregando “crescer a todo custo”. Com altíssimo custo ! É aí que se avolumam os alertas éticos, ecológicos, dentro da Bioética. Por que a voracidade no consumo de tudo ? Estamos numa encruzilhada: ou criamos maior simbiose - união com as leis da Natureza - ou teremos sofrimento ainda maior da espécie humana.
O novo paradigma - padrão de olhar e valores - será agora a Bioética. Não apenas como mais uma moda. Ele evoca um movimento social e de consciência diante dos franksteins produzidos pela tecnociência, diante dos efeitos biológicos e psíquicos da tecnologia, diante das intervenções antrópicas fragmentárias, com grande efeito colateral, no ambiente complexo e de alta interdependência chamado de Natureza (natural, construída, corporal e inter-humana), diante da resposta da natureza tornada “praga”, doenças, efeito estufa, seca, contaminação, iatrogenia e uma gama de reações frutos da artificialidade rápida do “progresso” , em seus aspectos obscuros. Que novos efeitos esperar ?
A Bioética como novo paradigma, o da era ecológica, no sentido que já o mentor (Potter) do termo queria dar: “ética da Vida, união do homem com a ecosfera”, evoca o movimento do espírito de um tempo, que tem nas mãos o destino da geração atual e futura. Não se trata apenas de tom apocalíptico, mas de compreensão profunda do poder retido nas mãos de alguns senhores do destino apoiados por massas fascinadas. A economia de mercado pautada na noção de progresso material ilimitado e de intervenção humana sem pudores põe-se hoje como este fascínio, pregado como único modo civilizatório, como futurismo tecnocrático, onde todos, por fim, reencontrar-se-iam com seu sentido projetado dentro de um programa de computador que os guiam: a verdadeira Matrix disseminada, a nova mente mecânica que não precisa pensar, protestar ou sofrer por amor.
Por outro lado, surge a questão dos Direitos humanos, surge o habitar sustentável na Ética ambiental (“ecologia”), surge a afirmação do feminino e da mulher, quiçá outro modo de pensar o civilizar-acolher humano; surgem os movimentos alternativos, os movimentos sociais engajados, culturas locais, a arte contemporânea arrebenta os padrões positivistas, a psicanálise deflora o Desejo e o Inconsciente para além das identidades maquínicas, a humanidade começa a gritar: um outro mundo é possível! Sim, bioética como novo paradigma nada mais é do que o apontamento de um novo tempo, de reconhecimento de rumos tortos, interesseiros, dilapidação do ambiente natural e construído, de ameaça à essência humana pela via cultural, mas também pela via genética. Não é mais cabível tomar o ser humano por meio e mero uso em vez de fim e dignidade sagrada. Brincar de Deus tem produzido um apartheid social e ambiental sem precedentes, bem como impactos socioambientais sentidos por nós a cada dia, em nossa precária saúde, em nossa qualidade de vida. Ser humano é ousar sim, avançar, progredir, crescer; não obstante, para onde e para quê ? Para ser feliz... Tecnologia para ser feliz ? Pílulas da felicidade ? Comumente, quem é feliz vive com amor ou sabe amar, e lutar. Por conseguinte, progresso, verdadeiro, é amar, amizade, felicidade, solidariedade, usufruto da natureza equilibrada, alimentação adequada, vida sem estresse, ser humano respeitado, aceitação do outro, medicina promotora da saúde e não a indústria da doença, não a engenharia de órgãos nem a aplicação de técnicas fragmentárias.
Como nossas instituições sociais, mormente a Saúde e a urbanidade, têm priorizado tais fins humanos ? Que impacto tem em nossa consciência a precariedade dada nas doenças da pobreza, e mais, das grandes doenças causadas pela riqueza, ou acumulação dela ? Quais os direitos das gerações futuras ? Somos máquinas nas mãos de médicos-mecânicos ou seres afetivos-simbólicos culturais ? Somos passíveis de melhoramento genético ou é melhor investir mais no progresso humano-pessoal ? Somos controláveis por drogas ou quem sabe precisamos mais é ser amados e incluídos ? Nossos filhos podem ser cobaias? Alguém tem direito a nos fazer de cobaias para novas drogas e alimentos? Nossos fetos podem ter apenas função de produzir tecidos ou peças ? Devemos engolir transgênicos e aditivos “guela abaixo” ? Qual o impacto econômico, ambiental e social disso tudo ?

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